Clube de Xadrez Epistolar Brasileiro
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Match Capablanca - Alekhine
Buenos Aires 1927

        A primeira partida do match pelo título mundial é amplamente conhecida. É a primeira partida que Capablanca perde depois do torneio de Moscou de 1925. A segunda derrota depois de três matches, considerando-se somente matches longos: contra Frank James Marshall, ganhou por +8-1=14, em 1909; contra Boris Kostich, ganhou com cinco vitórias consecutivas, em 1919; contra o Dr. Emanuel Lasker, por +4-0=14, em 1921, quando tornou-se campeão mundial. Logicamente não estamos considerando o match +4-2=6 contra Corzo (quando Capablanca foi campeão cubano com apenas 12 anos, em 1901) e nem 12 encontros rápidos de exibição de 2, 3 ou 4 partidas jogados contra vários adversários entre 1906 e 1914.

        A primeira partida do match de 1927 foi a única iniciada com o peão de rei, todas as outras 33 partidas foram iniciadas com o peão de dama. Foi a única partida que o campeão do mundo escreveu com a anotação descritiva em inglês, todas as demais foram escritas em espanhol com uma letra clara que imediatamente se distinguia da primeira partida. O desafiante usou em todas as planilhas a anotação em alemão.

        O torneio de Nova York disputado em quatro turnos entre 19 de fevereiro e 22 de março de 1927 serviu para indicar o desafiante ao título: 1º) Capablanca 14 (+8=12-0); 2º Alekhine 11 ½ (+5=13-2); 3º) Nimzovich 10 ½ (+6=9-5); 4º) Vidmar 10 (+3=14-3); 5º) Spielmann 8 (+1=14-5) e 6º) Marshall 6 (+1=10-9). A ampla superioridade de Capablanca fez a maioria dos jogadores dar o prognóstico de que Capablanca manteria o título, apenas Reti apostou no desafiante.

        O match pelo título foi disputado no Clube Argentino de Xadrez inaugurado em 1905 em Buenos Aires. O match começou em 16 de setembro e terminou em 29 de novembro de 1927 após 34 partidas, 1397 lances e +6-3=25 a favor do desafiante. As três vitórias de Capablanca foram de brancas enquanto três vitórias de Alekhine foram de brancas e as outras três de pretas. O objetivo deste artigo é discutir e avaliar exatamente a tão conhecida e polêmica primeira partida do match (algumas análises são de V. Goldin, publicadas na revista colombiana Ajedrez Universal, nº 15, pp. 31-35).


Capablanca - Alekhine (C01)
Buenos Aires (m/1) 1927

1.e4 e6 2.d4 d5 3.Cc3 Bb4

        No Torneio de Nova York de 1924, Alekhine contra o mesmo Capablanca optou por 3...Cf6 4.Bg5 Bb4 5.exd5 e a partida entrou na então popular variante das trocas com o cavalo de f6 cravado. Capablanca obteve peão a mais de vantagem, mas Alekhine conseguiu empatar um final de torres muito interessante. A opção de Alekhine por 3...Bb4 mostra a idéia de fugir da variante jogada três anos antes.

4.exd5

        Capablanca opta pela troca dos peões centrais, já que em 1927 a jogada 4.e5 era considerada inferior e as demais continuações quase desconhecidas.

4...exd5 5.Bd3 Cc6 6.Ce2 Cge7 7.O-O

        Capablanca opta por terminar o desenvolvimento da ala do rei, descravar o cavalo de c3 e não definir a posição do bispo de dama. Se 7.Bg5 f6 8.Bf4 Bf5 9.O-O Bxc3 [9...O-O 10.Ca4, com idéia de Cc5, ligeiro branco, segundo Botvinnik] 10.bxc3 Bxd3 11.Dxd3 Ca5 12.Dg3 Cf5 13.Dh3 g6 14.Cg3 com clara vantagem branca, Sliwa - Botvinnik, Moscou 1956; 10...Ca5!= Botvinnik. Se 7.Bf4 Bxc3+ 8.bxc3 Bf5 9.Tb1 b6 10.h4 Dd7 11.h5 O-O-O 12.Bb5 De6 13.f3 h6 14.Rf2 com jogo incerto, Hort - Ornstein, Helsinki 1979.

7...Bf5

        Outra opção é 7...O-O 8.Bg5 [8.Cg3?! f5! 9.Cce2 Bd6 10.Ch5?! De8 11.Chf4 h6 12.Bb5 g5 13.Bxc6 Dxc6 14.Cd3 f4 15.f3 Cf5 com clara vantagem das pretas, Eley - Uhlmann, Hastings 1972/73] 8...f6 9.Bf4=, segundo Larsen.

8.Bxf5

        Outra opção seria 8.Cg3 Bg6 9.Cce2 [9.f4!? f5 10.Cb1! com clara vantagem das brancas; 9...Bxd3!=, segundo Larsen] 9...Dd7 10.f4 f5 11.a3 Bd6 12.b3 Cg8 13.Bb2 Cce7 14.c4 c6 15.Dc2 Cf6= Spielmann - Nimzowitsch, Copenhague 1923.

8...Cxf5 9.Dd3 Dd7 10.Cd1

        O lance de Capablanca visa permitir ao branco duas opções: se as pretas jogam grande roque, as brancas avançam os peões da ala da dama; se as pretas fazem roque pequeno, as brancas jogam 11. Ce3 e começam a simplificar a posição trocando o ativo cavalo de f5. Na posição do diagrama, Capablanca poderia igualar o jogo com 10.Bf4 ou 10.Cb5, mas após 10...O-O-O apareceria uma posição que o campeão não apreciava: roques opostos e perspectivas pouco claras de ataques em alas opostas. "Eu não creio em ataques que não se submetem ao cálculo exato", confessou Capablanca depois de perder para Ilin-Zhenevsky no Torneio de Moscou de 1925. Posteriormente nos anos 40 foi jogada a variante com 10.Cb5 que seguiu 10...Bd6 [10...Ba5 11.Bf4 Cb4 12.Dh3 Ce7 13.Dxd7+ Rxd7= Berstein - Guimard, Groningen 1946] 11.Bf4 O-O 12.Cxd6 Cxd6 13.Tfe1= Poljak - Bondarevskij, URSS 1946.

10...O-O

        A opção de 10...O-O-O parece melhor e se agora 11.c3 Bf8! 12.b4 f6 13.a4 g5 14.a5 Cce7 15.b5 h5 e não há ameaça das brancas enquanto aumenta a pressão das pretas. Se 16.a6 então 16...b6! ou se 16.b6, então, 16...cxb6 17.axb6 a6! e as brancas ficam sem iniciativa.

11.Ce3 Cxe3

        A troca do cavalo ativo em f5 pelo cavalo passivo em e3, que jogou três vezes na abertura, alivia a posição das brancas. As pretas deveriam evitar a troca e voltar o cavalo com 11...Cfe7, deixando as brancas com problemas para terminar o desenvolvimento.

12.Bxe3 Tfe8

        Era melhor 12...Ce7 para impedir que as brancas ativassem suas peças.

13.Cf4

        Ameaça 14.Db5 ganhando um peão. As brancas conseguiram evitar os roques contrários que favoreceriam às pretas, depois trocaram o cavalo passivo pelo cavalo ativo, desenvolvendo ao mesmo tempo o bispo e comunicando as torres.

13...Bd6 14.Tfe1

        Lance passivo que compromete a posição das brancas, estas poderiam optar por 14.c3=; 14.Db5 Bxf4 15.Bxf4=; ou a melhor continuação com 14.Cxd5 Bxh2+ 15.Rxh2 Dxd5 16.Th1! Tad8 17.Rg1 h6 18.Th4 neutralizando as ameaças das pretas e trocando vantajosamente um peão lateral por um peão central.

14...Cb4

        Era melhor 14...Te4! e se agora 15.Cxd5?! Bxh2+ 16.Rxh2 Dxd5 17.c3 Dh5+ 18.Rg1 Th4 19.f3 Ce7 com forte ataque das pretas. Depois de 15.Ce2!? Ce7 a posição das pretas promete mais do que a troca de damas que surge como possibilidade na seqüência da partida.

15.Db3 Df5 16.Tac1?

        Perde um peão. O correto era 16.Cd3 Cxd3 17.Dxd3 Dxd3 18.cxd3 Bb4 19.Te2 com a estrutura de peões um pouco inferior as brancas não devem perder por causa disso. Alekhine considerava a posição perdida, mas mudou de opinião anos depois e afirmou que a estrutura era apenas um pouco inferior. A posição das brancas bem conduzida deve levar ao empate.

16...Cxc2! 17.Txc2 Dxf4 18.g3 Df5!

        Ameaça a torre de c2 e impede as brancas de recuperarem o peão.

19.Tce2 b6 20.Db5 h5 21.h4 Te4

        Era melhor 21...Df3 e se 22.Bd2, então, 22...Txe2 23.Txe2 a6! E se as brancas tentam jogar 22.Bf4 Txe2 23.Dxe2 Dxe2 24.Txe2 Bxf4 25.gxf4 com final sem esperanças. Depois de 25...Rf8 26.Te5, as pretas podem ganhar por vários caminhos, o mais simples é 26...Td8 27.Txh5 e o final de peões resultante da idéia de jogar 28.Th8+ Re7 29.Txd8 Rxd8 não oferece nada bom. Em lugar de 26...Td8 é possível também 26...Te8 27.Txd5 Te2 28.Td7 Txb2 29.Txc7 Txa2 -+.

22.Bd2! Txd4

        Outras variantes são:

  1. 22...Tae8 23.Dxe8+ Txe8 24.Txe8+ Rh7 25.Rg2 e agora por exemplo: a1) 25...c5 26.dxc5 bxc5 27.T1e2 d4 28.b3 a5! 29.f3 a4 30.Be1 axb3 31.axb3 Dd7! (31...Dd5 32.Td8!) 32.T2e4! Db5 33.Td8! Bc7 34.Td5 etc ou 32...Db7 33.b4! (33.Td8 Be7 34.Tde8 Bf6) 33...cxb4 34.Txd4 b3 35.Txd6 b2 36.Td1=; a2) 25...Dd3 26.Bc3 c5 27.Td8 cxd4 28.Txd6 dxc3 29.bxc3 e as brancas não se arriscam a perder;
  2. 22...Txe2!? 23.Txe2 mantendo o peão a mais e as chances de vitória.

23.Bc3 Td3

        Mais forte do que 23...Tc4 24.Te5! Tc5 25.Txf5 Txb5 26.Txh5 ou 23...Tg4 24.Be5 com ameaça direta sobre d5.

24.Be5

        As brancas sacrificaram um segundo peão para ativar as suas peças e as pretas se verão forçadas a devolvê-lo, trocando um par de torres, a fim de deter a pressão das peças brancas.

24...Td8 25.Bxd6 Txd6

        Se 25...cxd6 26.Dc6 e as brancas acabariam por recuperar um peão em poucos lances.

26.Te5 Df3 27.Txh5 Dxh5 28.Te8+ Rh7 29.Dxd3+ Dg6 30.Dd1 Te6

        As pretas optam por devolver o segundo peão para dobrar dama e torre na coluna e. A idéia é jogar para ganhar o final com o peão passado ou por ataque como aconteceu na partida.

31.Ta8 Te5 32.Txa7 c5

        Alekhine acreditava que o final estava ganho e o próximo lances das brancas ajudou nessa conclusão.

33.Td7?

        Capablanca errou o lance decisivo da partida e, psicologicamente, talvez do match. O lance 33.Df3! manteria chances claras de empate ao atacar o peão f7 e dificultar a dobrada de peças pesadas das pretas na coluna e que foi efetuada na partida.

33...De6 34.Dd3+ g6 35.Td8 d4 36.a4 Te1+

        Alekhine deixou escapar o arremate rápido com 36...De7! 37.Tb8 Dc7 38.Ta8 Db7 ameaçando 39...Te1+.

37.Rg2 Dc6+ 38.f3 Te3 39.Dd1 De6 40.g4 Te2+ 41.Rh3 De3 42.Dh1 Df4 43.h5 Tf2 0-1

        As análises mostram que Alekhine não jogou tão bem, pois deixou passar vários lances que lhe dariam vantagem. Quanto a Capablanca, o erro do lance 16 o fez perder um peão, mas depois se defendeu jogando muito bem o meio-jogo. Após seguidas imprecisões do desafiante, o campeão chegou a sacrificar um segundo peão, ativando as peças e conseguindo forte contrajogo. Alekhine devolveu os dois peões e quando tudo parecia caminhar para o empate, Capablanca cometeu o erro do lance 33 que lhe fez perder a partida. O final era perfeitamente jogável com chances práticas de empate.